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Garfando sobre a série “Dear White People”

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A frase estampada numa camiseta de Lionel Higgins, personagem da série Dear White People, ou Cara Gente Branca, dita o compasso da trama. Brilhantemente dirigida por Justin Simien (que já havia testado o argumento no filme homônimo em 2014), a série é uma metralhadora de mira ligeira no encalço do racismo estadunidense. É chumbo grosso de calibre pop. Já na abertura, em um único tiro, somos atingidos com a crítica cortante de James Baldwin seguida pelo som de The Thieving Magpie Abridged, (uma dose do puro cinismo destilado na trilha sonora de Laranja Mecânica). E a história se alimenta de paradoxos. Se por um lado o acesso da população negra ao ensino superior criou uma elite, por outro, essa formação refinada se deu nas barbas da perversidade histórico-cultural da branquitude ianque.

E quem protagoniza a série são os descendentes da geração Young, Gifted and Black eternizada na poderosa voz de Nina Simone. A referida canção nasceu no calor dos movimentos pelos direitos civis nos Estados Unidos e louvava a política das ações afirmativas de acesso ao ensino superior. Conquista de raízes históricas e copa frondosa, espraiou sombra de alívio à luta pela educação de qualidade. E Dear White People se passa neste cenário: a presença negra no Olimpos Ivy League, berço da elite intelectual, política e atlética. Mas ao passo que reverencia as referências históricas, a série também alfineta a aposta negra na ascensão liberal. Crítica traduzida em diálogos primorosos, como na cena em que a personagem Joelle diz que vai comprar na Forever 21 a camisa da Shirley Chisholm, a primeira congressista negra eleita em 1968 pelo Partido Democrático. Existe na série uma personagem secundária, mas que também traduz bem as armadilhas da aposta no self made (wo)man. É Kelsey, estudante de Psicologia, que atormentada pelas futilidades que giram em torno do umbigo, não dá conta de ler os dilemas político-sociais ao seu redor. Ela acredita que racismo era coisa dos anos 50 ou do Buzzfeed. E o personagem do incansável militante Reggie Green arremata em tom de deboche ao questionar se o presidente Barack Obama não havia resolvido o racismo no país...

E no generoso desfile de negras referências históricas, vê se em tela uma ampla constelação ideológica retratada nas entidades que dão corpo ao movimento estudantil na fictícia Universidade de Winchester. Assim, na casa estudantil Armstrong-Parker os alunos negros orbitam em torno de alguns coletivos: UAN União dos Alunos Negros, presidido por Sam White e de coloração mais à esquerda; UAAA União dos Alunos Afro-Americanos, uma espécie de direita fútil composta por projetos de socialites pretas; FA Negro Fórum Americano Negro, composta por poetas medíocres que promovem hashtag, camisetas e festas; e COIR, Coalizão pela Igualdade Racial, grupo do Troy Fairbanks, filho do reitor negro, sendo o único grupo que tem assento no Conselho Estudantil Trimestral do Reitor.

A militância é apresentada como via obrigatória de travessia na vida acadêmica, mobilizando toda a comunidade negra discente. Ninguém fica de fora, já que as desigualdades encontradas no Olimpo convocam os distintos posicionamentos políticos da negritude. Mas mesmo uma questão séria como esta não escapa das espetadinhas de sarcasmo. Sobretudo no que concerne ao tempo perdido com divergências ideológicas até que se fertilize uma ação relevante. E como ninguém é de ferro, Difamação é a pauta que une todos os coletivos negros às quintas-feiras, sagradamente. Acomodados em torno da TV para assistir a paródia de Scandal, a luta contra a violência racista encontra a pausa para um suspiro traquino.

A primeira grande mobilização é o ataque em resposta à uma festa Black Face, a Cara Gente Negra, promovida por um coletivo de estudantes brancos que editam a revista Pastiche. Pautando o fato de que as festas racistas e crueis são a base das instituições brancas; de modo que a perversidade é tida como o coração da branquidade, que encena a marginalidade em caricaturas para reforçar estereótipos. Gente branca sem dissimulação, pois como o nome do periódico anuncia, Pastiche é o arremedo da alma ou da arte de um povo. E a cara gente cínica sabe bem o que é apropriação cultural e black face. Um bom exemplo disso, é a na cena em que Lionel (quando em busca de um rótulo que contemplasse sua homossexualidade) vai a uma festa de artes cênicas e é convidado para um constrangedor menáge a trois, (parecia tão ensaiado e foi tão mal interpretado!). Nas conversas preliminares o assunto versava sobre os absurdos do racismo. E a mocinha pergunta: “Black Face tipo Zoe Saldana ou tipo Al Jolson? Zoe Saldana é uma atriz negra light skin que causou controvérsia ao aceitar protagonizar uma cinebiografia sobre a cantora Nina Simone, flagrantemente dark skin. Por sua vez, Al Jolson é um ator branco, ícone conhecido da TV estadunidense por interpretar black faces. Mas a festa dividiu opiniões na tradicional Universidade de Winchester. De um modo geral, na arquibancada branca discentes e docentes se uniram para reivindicar o que entendem como direito ao politicamente incorreto e liberdade de expressão, ainda que esta possa ferir a suposta “sensibilidade racial” da comunidade negra. No outro lado do estádio era possível verificar sutis e importantes tonalidades de posicionamento. De um modo geral a comunidade negra se manifestou contrariamente à festa; mas setores mais conservadores, que tinha no reitor negro Mrs Fairbanks seu porta-voz, tentaram esvaziar o teor conflitivo da situação; e chegam inclusive a acusar Sam de fomentar um sentimento coletivo de raiva racial equivocado!


Black, no sugar, no cream


E coube a Sam White encabeçar o movimento de resistência negra no campus. Com o programa de rádio que dá título à série, ela convoca a comunidade de Winchester a refletir sobre o racismo nosso de cada dia. A espinha dorsal da personagem é a militância, mas suas muitas camadas é bem vascularizada por contradições que merecem algumas considerações. Samantha White é aluna do terceiro ano do curso de audiovisual. Ser filha de um intercurso racial a coloca numa situação ambígua. Se por um lado é negra perante a comunidade branca, de outro é constantemente questionada a respeito dos privilégios de light skin pela comunidade negra. Embora ela esteja bem longe de ser uma Rashida Jones, atriz estadunidense que aparece como exemplo de mestiça que pode fazer o passing racial para o mundo dos brancos. Pigmentocracia é um dos debates transversais da série e encarnados por Sam. E sua personagem parece apostar na miscigenação, tal como ilustra seu namoro com Gabe, o mozão branco. Ela chegou a publicar um chamado às irmãs negras para que não se apaixonasse pelo opressor. Mas as direções em seu coração e mente parecem divergir. “Quantas vezes ouvimos que homens negros não valem nada e que precisamos de um salvador branco?” Joelle manda a letra de novo.

Outro aspecto a ser considerado em Sam, é o modo como ela estabelece algumas relações de amizade. Há um trio que gostaríamos de destacar: Coco, Joelle e Reggie. Sua primeira grande interlocutora foi a Colandrea, ou Coco. Ambas mudaram para a casa Armstrong-Parker juntas, e desde o início uma diferença foi demarcada: Enquanto a Coco, dark skin e cabelos de aplique queria viver numa república para alunos brancos como parte do seu plano de ascensão social; por sua vez, Sam, light skin, estava empolgadíssima com a possibilidade de viver na Armstrong-Parker e desde sempre com as antenas ligadas para a militância. As distintas estratégias de integração das duas amigas apontavam para uma ironia: enquanto Colandrea queria se tornar Coco para ser aceita no mundo dos brancos, porque em sua trajetória ter a pele escura a confinava a supostos lugares de negros historicamente condicionados; Sam tenta a via oposta: reafirmar sua negritude sempre posta em causa por sua história de miscigenação racial. E é assim que ambas iniciam um processo de confronto especular. E face a face visualizam intersecções e diferenças em suas histórias de negritude. E é nos pontos de identificação que ambas criam o jogo Cara Gente Branca, como forma de elaborarem as experiências de racismo que tiveram o desprazer de encarar ao longo da vida. Apesar de terem começado juntas, Sam assume o microfone e deslancha com a ideia em carreira solo. E assim surge o programa de rádio que a projeta como liderança da UAN. A questão que fica: qual deveria ser o lugar da Coco nesse processo? Era de seu propósito disputar esse protagonismo ou a Sam era parte mais interessada em trazer para o coletivo um processo no qual Coco teve participação fundamental, mas cuja atuação foi engolida no caminho?

Outra amizade fundamental para o palanque de Sam é a estabelecida com Reggie Green, militante que simplesmente a venera. Vamos esperar o desdobramento desta relação na segunda temporada, mas até agora Reggie tem sido apenas o homem negro completamente devoto e apaixonado, que beijaria o chão por onde ela passa. E Sam consciente dessa dedicação, sabe que pode abrir mão deste afeto e apostar numa relação com um homem branco. E ainda que tenha preocupações coletivas, ela considera legítimo se apropriar politicamente das dores de Reggie que está constantemente sob a mira da polícia, numa sociedade violenta que extermina física e simbolicamente a juventude negra.

É fato também, que a Sam está numa arena muito hostil à participação feminina: os espaços de disputa e representação política. Sua legitimidade é construída a duras penas, e não raramente ela está na linha de fogo entre os egos das masculinidades tanto negra, quanto branca. A briga de espadas entre Reggie e Gabe atesta no sentido de qual dos dois machos está à altura da grande dama da luta. E mesmo que involuntariamente a gente fica se questionando porque Sam escolhe ficar com Gabe, insosso feito um picolé de chuchu, ao passo que Reggie comprova reiteradamente sua genialidade acadêmica e força política; que muitas vezes o faz abrir mão de se pensar como indivíduo para se dedicar integralmente à militância. Mas como diz Joelle “às vezes ser um jovem negro e despreocupado é também um ato revolucionário”. Por falar em Joelle, também nos perguntamos sobre a obsessão de Reggie pela Sam a ponto de deixá-lo impermeável aos afetos que Joelle lhe dedica. E aproveitamos para destacar a amizade entre Sam e Joelle. Esperamos que a segunda temporada ofereça pelo menos um episódio dedicado a ela; porque até agora parece muito injusto que ela esteja apenas à sombra de Sam, como suporte afetivo cuja história é abafada para que a amiga possa brilhar; ou se contentando com as migalhas de afeto que Reggie lhe oferece. E apesar do pouco espaço que lhe coube, Joelle conseguiu trazer um debate muito importante para a comunidade negra norte-americana: o largo consumo de junk food e os transtornos alimentares. Ou como ela mesmo afirma: “só vou ter um corpão quando acabar o racismo nos EUA”.

No que concerne à protagonista, Sam é portanto essa figura que por um lado é a porta-voz de um movimento estudantil negro, mas que ao mesmo tempo deixa pontas soltas sobre sua herança branca. Ela sabe como lançar iscas para pegar brancos racistas no flagrante, apesar do esforço de apresentarem uma capa liberal e polida. Mas Sam é também aquela que acalenta no íntimo uma grande e não resolvida admiração pela vida branca, ainda que isso lhe cause alguma culpa. É o caso de quando ela escuta Taylor Sweet no fone de ouvido, mas sente-se constrangida a ponto de fantasiar que a comunidade negra ao seu redor tem conhecimento até da íntima play list branca que embala seu cotidiano.

Insanity is hereditary, you get it from your children

É interessante como o seriado faz um uso acertado do recurso de narração do que se passa na consciência racial de cada sujeito e do coletivo. Neste sentido merece destaque o personagem de Lionel. Estudante de Jornalismo, é apontado como o futuro Ta-Nehisi Coates da escrita negra e afiada. E no seriado ocupa o lugar de quem tece a narrativa política, uma “testemunha-ocular” bastante ativa, dando-lhe amarração e consistência discursiva. É uma das personagens de evolução mais surpreendente. Sua ressaltada timidez é em parte sintoma de seu não-lugar na comunidade negra em função da sua homossexualidade. Ele não cabe nos convencionais templos da masculinidade heteronormativa. Sendo assim, a princípio, se assume o cabelo black power não é por ato político, mas por falta de opção, já que não é aceito em nenhuma barbearia, nem branca e nem negra. Mas amparado por sua discrição e corajosa curiosidade, ele se agiganta a cada informação poderosa que colhe. Consegue tantos furos de reportagens, que eventualmente pode até abrir mão de um ou de outro para fortalecer a luta. Lionel consegue ler com sensibilidade e perspicácia tanto o cerne do movimento, como de seus militantes. Além de ter grande senso de oportunidade quando importa encabeçar ações fundamentais na trama. E neste percurso arrisca a encontrar um lugar ao sol para viver sua sexualidade. Mas o faz com muito sarcasmo no peito, como estampa esta outra camisa que usava no momento em que se abre pra Troy: “Eu sou gay. Insanidade é hereditário. Você pega de sua criança”. Troy é seu colega de quarto e crush, e são hilárias as cenas em que Lionel deixa escapar seu desejo pelo boy magia.

Aliás, Troy faz muito sucesso não apenas pela beleza escultural. Sua candidatura a representante discente movimentou todo o campus numa campanha vitoriosa. Nesse importante estágio da real politik, Troy tenta a difícil conciliação entre defender os interesses da comunidade negra e aliviar a barra para os brancos. Apesar do seu esforço hercúleo, muitas vezes não sustenta o peso sobre seus ombros. Some-se a isso o fato de que o reitor Fairbanks, concebeu para o filho uma trajetória de vida acadêmica que se define como uma verdadeira Odisseia rumo ao poder na qual está fora de cogitação qualquer cochilo. Herdeiro legítimo de um projeto de ascensão negra, Troy busca encontrar sua via de realização pessoal para não ser apenas um títere do poder; tanto da parte do seu pai, quanto dos brancos mimados, pra quem vive passando pano e limpando sujeira, quanto para a militância e inclusive para as mulheres com as quais vive relações afetivo-sexuais.

Bad choices make good stories


E a relação que Troy estabelece com a Coco ilustra bem o vale-tudo do jogo político acadêmico, sobretudo tendo em conta as estratégias dela, já que seu lema é “comer, matar e amar.” Como dito anteriormente, Coco é fundamental para a construção do protagonismo de Sam. Mas Coco tem luz própria para orientá-la nas sendas sombrias do racismo e da ascensão social. Ela entende que prevalece sobre a Sam no que concerne á legitimidade do lugar de fala. E assim, ela transforma uma face dolorida do colorismo em argumentos que sustentam suas posições por vezes controversas ou ambíguas, mas muito corajosas e lúcidas. Retratando a origem humilde da personagem, a série aproveita para inserir a partir da infância de Coco uma discussão sobre os efeitos do racismo desde a mais tenra idade. E assim, é proposta uma intertextualidade com um vídeo que viralizou na internet sobre a relação entre crianças negras e bonecas negras.

Numa sociedade afeita à meritocracia, Coco é vista por um caça-talentos branco e sua sorte é lançada na educação. Ao chegar na universidade, Coco tenta várias vias no sentido da integração e ascensão. Depois do insucesso na tentativa de ir para uma república de alunos brancos, passa uma temporada morando com Sam. Dessa convivência somos agraciados com cenas fundamentais para o processo de maturação política e psicológica de ambas; além da possibilidade de entrar em contato com debates sobre colorismo, lugar de fala e empoderamento estético negro. Mas Coco não desiste da inserção na high society, seja branca ou negra. E assim aposta na Alpha Delta Rho a casa das aspirantes a socialites negras. Reunidas em seu condomínio ideológico, uma espécie de Black Alphaville, elas se acham as primeiras damas do alfabeto grego. As pautas são de uma relevância inacreditável, como Black Hair Matters, ou Como Ser Sexy Sem Ser Vulgar. E assim promovem assistencialismo e papéis de gênero retrógrados. Se tem algo que alivia nossa olhar sobre esse núcleo na série, é a possibilidade de imaginarmos um mundo negro tão diverso, mesmo que a gente discorde completamente. É como se estivéssemos num estereotipado concurso de afro humanas versus afro exatas ou afro biológicas. Até a Coco pula fora dessa barca e arrisca outra inserção, apesar de ser na comunidade branca, num projeto que ainda é a busca pelo marido politicamente poderoso. E daí ela protagoniza uma das cenas mais lindas e dolorosas da série, em que o “sonho de uma noite de verão” se transforma no pesadelo da solidão da mulher negra. Depois de tantas desventuras, Coco encontra uma possibilidade de ascensão mais consistente na cama de Troy. Aliás, a série insiste na aposta de vincular mulheres, sexo e política. Para tanto cria até uma série dentro da série, a Difamação, que assim como Scandal, traz a caricatura da mulher negra, poderosa e competente, e que usa a cama como estratégia política; (além de ser uma boa metáfora para poder e miscigenação). É interessante observar que a escalada política da Coco é narrada em torno de três “orgasmo políticos”: o primeiro acontece numa vingança contra a presidenta da Alpha Delta, o segundo gozo é fumando a maconha que a Sam lhe deu como pedido de desculpas, enquanto recebe um belo oral de Troy, que por sua vez também era envolvido com a ex-amiga. E o terceiro orgasmo praticamente caiu da cauda do cometa: No momento em que a Sam cavalga poderosa sobre Troy, ela perde a peruca, frustrando seu mais poderoso gozo de poder com o filho do reitor.

Se Coco parece gozar com o aspecto sexual de suas estratégias políticas, não parece ser o caso da Sam. Por isso parece completamente desnecessário, por exemplo, o envolvimento da protagonista com o Troy, que pra ela é tão politicamente desinteressante quanto o Clarence Thomas, o juiz negro republicano nomeado por George Bush para ocupar a Suprema Corte. E o fato de sua vida afetivo-sexual ser uma pauta que reúne toda a comunidade negra no jogo de difamação, também está longe de ser confortável pra ela. Gabe, o mozão branco, decide sem consultá-la que tornaria o romance inter-racial público. Mas como disse a Coco para a Sam, “brancos não se importam com Harriet Tubman”, a histórica líder negra abolicionista. Sendo assim, Gabe, ama a Sam ou o que ela representa? Ele até tenta vivenciar algum deslocamento dos lugares de conforto ao ser único branco nos meios dos negros numa universidade branca. Mas ele sabe que as piadas sobre brancos são inofensivas e segue atuando como se restringisse seus privilégios para dar suporte à luta negra. Mas uma parte de si grita no silêncio por meritocracia, algo do tipo: “ só porque sou branco e homem, não significa que eu seja um babaca”. Mas na prática, o que Gabe consegue fazer como ninguém, é tirar a Sam do foco da luta. Além de olhar para o Reggie enquadrando-o como o falo negro perigoso que pode ficar com Sam a qualquer momento e tomá-la de si. Não sei se foi por acaso que ele chamou a polícia para ajudá-lo a tirar Reggie do caminho...

Gabe é o único personagem branco apresentado com distintas camadas. No geral, os personagens brancos são altamente estereotipados e sem história. Uma provocadora inversão que a série apresenta. E Dear White People é positivamente pretensiosa, pois se propõe com consistência de argumentos e referências, trazer a riqueza da multifacetada comunidade negra numa universidade de prestígio e majoritariamente branca. E é impressionante o uso de flash backs nesta série. Fica até parecendo que racismo e anti-racismo é uma infindável sequência de déjàvu... Apesar do universo seleto, traz as violências raciais que assombram a comunidade negra independente da ascensão social que tenha vivido. Promove assim, possibilidades de identificação com a audiência negra que também está de fora deste universo, como é que tem se verificado aqui no Brasil. A série agradou parcela considerável da população negra acadêmica, como é possível observar nas blogosferas virtuais. Surgiram até paródias de astrologia tendo como base as personagens de Cara Gente Branca! E nesse mapa astral meu signo seria de Lionel com ascendente em Coco. Gracejos à parte, certamente compartilhamos muitos dos dilemas raciais vividos pela comunidade negra estadunidense, como atestado de nossa condição diaspórica. Mas alguns abismos nos separam. Um deles é a triste constatação que ainda não apropriamos de modo satisfatório de nossa história de resistência e nem das figuras negras que têm sido nossas referências neste processo. E ao menos, em meio a um tempo de tantas violências e perdas de direitos, a série tem o mérito de conseguir resgatar a noção de lúdico mesmo que tratando de assuntos de acentuada gravidade.


Texto escrito por Viviane A. Pistache. Preta das Minas Gerais, com mania de ter fé na vida. Graduada em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e doutoranda em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP).


Pretas Dramas é o encontro entre a roteirista Carolina Gomes, a cineasta Renata Martins e a psicóloga Viviane Angélica, três mulheres negras que se reuniram para pensar, refletir e produzir crítica e dramaturgia.



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Pretas Dramas é o encontro entre a roteirista Carolina Gomes, a cineasta Renata Martins e a psicóloga Viviane Angélica, três mulheres negras que se reuniram para pensar, refletir e produzir crítica e dramaturgia.

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